Falar é Prata
*Por Rubem Amorese
"Que eu aprenda a encontrar
mais prazer no ouvir do que no falar"
mais prazer no ouvir do que no falar"
Este ano pretendo falar menos.
Dizem que precisamos falar 15 mil palavras diárias para manter a sanidade. Será que precisamos dizê-las mesmo que ninguém esteja ouvindo -- ou gostando? E se a família se encontrar à noite, todos com suas cotas vencidas?
Bem, fica decidido também que, se eu sentir que estou entrando em crise de abstinência, então passarei a conversar com um gravador.
Falando sério, eu gostaria de evitar aquela sensação de “músico de churrascaria”, que toca para ninguém (mas, se faz um intervalo, o povo reclama, porque está pagando).
Não é birra, não. Na verdade, a intenção é ser mais relevante no falar. E, para isso, só falar quando for relevante -- para quem ouve.1
Para viabilizar esse propósito, fixo algumas metas, no coração.
Tentarei me calar quando alguém estiver falando. Falar junto pode trazer um clima de “grande família” à conversa, mas cai na categoria “churrascaria”. Um recurso usado nessa hora é elevar a voz (90 decibéis está bom) para se sobrepor e fazer o outro calar. Tipo “vencer a parada” -- e gozar do raro prazer de completar a frase.
Nesse mesmo sentido, quero aprender a me calar quando for atropelado por outros falantes. Isso porque, mesmo que eu já esteja com o direito adquirido, se outro começar a falar antes de eu terminar, minha fala já estará carimbada de irrelevante.
Quero ficar atento ao interesse de meus interlocutores. Tenho a tendência de continuar falando só para completar a ideia, quando já estão de costas para mim (ou quando o grupo já desviou a atenção para outro, com cota vencida). Essa contínua avaliação, além de me ensinar sobre relevância, me ajudará a ser interessante no falar. E a transmitir “graça aos que ouvem” (Ef 4. 29).
Para falar menos, e ainda assim trazer graça, precisarei ser mais construtivo. São poucos os que se interessam por críticas -- e por críticos. Portanto, análises impiedosamente sérias, só “on demand”.2 E nunca em grupo, pois podem não interessar a todos.
Outra ideia: linguagem ácida ou irônica, só se for engraçado. Como elemento de veemência ela pode passar a ideia de amargura. Falar mal de pessoas, nem “on demand”.
Finalmente, investirei em diálogos genuínos. Porém compensarei economizando em discussões, em ameaças -- aqui, precisarei cuidar também do olhar --, em broncas e em conselhos não solicitados.
Pedirei a Deus que me ensine a encontrar mais prazer no ouvir do que no falar.
Fui convidado a pregar numa grande igreja. Noite de muita agitação. Caravanas chegando. Mais de 5 mil lugares. Comecei o sermão e o movimento continuava.
Eu ainda saudava a igreja quando chegou um político, em campanha eleitoral, com seu séquito. Como eram evangélicos, subiram ao grande púlpito. Terminei a leitura bíblica e ainda havia gente arrastando cadeiras atrás de mim, para acomodar a comitiva ilustre. Percebendo estar falando sozinho, fiz um teste. Levantei a voz e disse: “E que Deus, assim, nos abençoe -- amém, irmãos?”. E ouvi um grande amém. Fechei a Bíblia, passei a palavra, e ninguém estranhou. Acho que fui construtivo.
“O que guarda a boca e a língua guarda a sua alma das angústias” (Pv 21.23).
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• Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários -- nem leigos, nem santos.
Fonte: Revista Últimato - Ano XLII - N.322 - Jan Fev 2010 - Ponto Final - Pg 66
Fonte: Revista Últimato - Ano XLII - N.322 - Jan Fev 2010 - Ponto Final - Pg 66
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